A decisão do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de suspender a importação de petróleo da Rússia vai acentuar o aumento de preços dos combustíveis e renova o clima de incerteza sobre os rumos da economia global.
A medida anunciada por Biden nesta terça-feira (8) é mais uma que se soma a outras sanções impostas contra o governo de Putin pela invasão da Ucrânia.
O conjunto de medidas traz efeitos prolongados para as economias globais, incluindo a brasileira, que caminham para lidar com mais inflação e, possivelmente, alta de juros e menos crescimento econômico.
A Rússia tem papel relevante no mercado internacional. É uma das principais exportadoras de petróleo, com cerca de 7 milhões de barris por dia. A dinâmica da guerra, por si só, havia elevado os preços do barril de petróleo para perto dos US$ 140, mas a nova sanção imposta pelos EUA vai pressionar ainda mais a restrição de oferta.
“NÃO SABEMOS QUÃO TEMPORÁRIO SERÁ ESSE CHOQUE. POR MAIS QUE O CONFLITO TERMINASSE IMEDIATAMENTE, O IMPACTO DEMORARIA, NO MÍNIMO, DOIS TRIMESTRES PARA SER ATENUADO. BARRIL DO PETRÓLEO A US$ 150 É UM CHOQUE DE PRIMEIRA GRANDEZA NA ECONOMIA GLOBAL”, DIZ CLÁUDIO FRISCHTAK, DIRETOR DA CONSULTORIA INTER B.
Cálculos preliminares da Inter B mostram que o barril do petróleo em torno dos US$ 150 e a pressão em outros insumos energéticos até o fim do ano poderiam retirar até 3% do potencial de crescimento da economia global. Além disso, o impulso inflacionário seria de 1,5% a 2%.
Mais alta de preços
Em primeiro momento, a decisão dos Estados Unidos deve elevar ainda mais o preço do petróleo.
Diante apenas dos rumores de que o embargo seria aplicado, o preço do barril do tipo Brent chegou a saltar 18% na segunda e se aproximou dos US$ 139 nos primeiros negócios, atingindo seu nível mais alto desde 2008.
Nesta terça-feira (8), o preço do barril do petróleo ultrapassou a marca de US$ 130. Perto das 14h (horário de Brasília), o barril de petróleo Brent subia 7,78%, negociado a US$ 132,78, e o WTI tinha alta de 7,55%, a US$ 129,17 o barril.
Antes mesmo do anúncio de Biden, um relatório do Bank of America mostrou a dimensão do impacto de uma suspensão das exportações russas. Segundo analistas do banco, poderia haver um déficit de 5 milhões de barris por dia ou mais, e os preços do petróleo chegariam US$ 200.
“HÁ AINDA UM PRÓXIMO PASSO: DEPOIS DO INÍCIO DA GUERRA E DAS SANÇÕES AO PETRÓLEO, A RÚSSIA PODERIA AINDA RETALIAR OS PAÍSES DA OTAN E INTERROMPER TOTALMENTE A OFERTA DE PETRÓLEO E GÁS. SERIA UM PROCESSO EXTRAORDINÁRIO, QUE NÃO ACONTECEU NAS CRISES DOS ANOS 70″, DIZ FRISCHTAK.
O economista explica ainda que o curso das sanções e respostas terá impactos indiretos em toda a cadeia produtiva. Além do custo relevante do petróleo e gás, toda a produção industrial que depende dos derivados seria impactada. É o caso de plásticos, borracha e petroquímicos.
Outros produtos da Rússia também sofrem impactos das demais sanções, como as commmodities agrícolas. Metais como paládio e o gás neon, produzidos no país, são insumos criticos para produção de semicondutores.
“PODEMOS, MAIS UMA VEZ, TER UMA DESORGANIZAÇÃO DAS CADEIAS DE PRODUÇÃO COMO ACONTECEU DURANTE A PANDEMIA. É UM DUPLO CHOQUE DE OFERTA”, DIZ FRISCHTAK.
Petrobras em xeque
A política de preços da Petrobras deve ser ainda mais contestada. Desde 2016, a Petrobras passou a adotar para suas refinarias uma política de preços que se orienta pelas flutuações do preço do barril de petróleo no mercado internacional e pelo câmbio.
Em 2022, houve boa entrada de dólares no país, fortalecendo o câmbio aos poucos. Mas a disparada do preço do petróleo no mercado internacional faz com que o real não consiga compensar as defasagens de preço dos combustíveis, o que torna provável que os valores praticados pela Petrobras subam ainda mais.
De olho na reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL), voltou a criticar nesta semana a política de preços adotada pela estatal. Da última vez que Bolsonaro fez comentários semelhantes, ordenou a troca do então presidente da empresa, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna.
Segundo o blog da Ana Flor, Bolsonaro deve aceitar uma mudança na atual política de preços da empresa. O governo acredita que a melhor forma de segurar o aumento dos preços seria reduzir impostos e fazer com que a Petrobras absorvesse parte das perdas pela ampliação no prazo de reajustes dos preços praticados pela empresa no Brasil.
O último reajuste de preços dos combustíveis anunciado pela estatal foi em 11 de janeiro. De lá para cá, o barril do tipo Brent subiu mais que 56%.
No dia 24, a empresa disse que iria “avaliar os impactos” da alta volatilidade dos preços do petróleo no mercado internacional antes de tomar qualquer decisão sobre os preços. “A gente tem observado elevação dos preços nas últimas semanas e, em paralelo, o dólar foi desvalorizando. Com esses dois movimentos, em contraposição, a gente pôde manter nossos preços”, afirmou à época o diretor-executivo de Comercialização e Logística da empresa, Cláudio Mastella.
Para Roberto Motta, chefe da mesa de derivativos da Genial Investimentos, a situação imposta pela guerra na Ucrânia não tem solução fácil, mas mudanças na política de preços da empresa são vistas pelo mercado como “arranhar um vaso de cristal”.
“O MERCADO SOFREU MUITO COM AS PERSPECTIVAS POSTAS À MESA PORQUE NÃO É MAIS UM TABU REDISCUTIR A POLÍTICA DE PREÇOS DA PETROBRAS POR MOTIVOS POLÍTICOS, EM ANO ELEITORAL”, DIZ O ECONOMISTA.
O vaivém sobre a decisão fez as ações da petroleira se descolarem da alta do preço do petróleo. Em meio aos debates, os papéis da Petrobras caíram 7% na segunda-feira.
Mais inflação
Com a alta do preço dos combustíveis, as principais economias globais, incluindo a brasileira, devem sofrer mais com a inflação. Como o g1 mostrou no fim de fevereiro, além de alta nos combustíveis, há impactos no preços de derivados do trigo e uma possível restrição de oferta de fertilizantes, que prejudicam o agronegócio.
Para o Brasil, a valorização do barril do tipo Brent desde o início da pandemia foi um dos responsáveis pela inflação pelo efeito nos preços da gasolina e do diesel.
O preço do barril de petróleo teve média de US$ 44 em 2020 e chegou a US$ 70 no ano seguinte. O agravamento do conflito na Rússia deu novo impulso aos preços do insumo, que voltaram a ultrapassar a barreira de US$ 130.
Neste ano, os analistas consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, estimam que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve encerrar o ano em 5,65%, acima, portanto, do teto da meta do governo, que é de 5%.
Alguns bancos e consultorias, no entanto, já enxergam o risco de uma inflação ainda mais pressionada e levaram as projeções de inflação deste ano para a casa de 6%.
No exterior, mais essa pressão inflacionária pode causar uma mudança de rota de juros nos países desenvolvidos.
O Federal Reserve, banco central dos EUA, preparava uma sequência de altas de juros americanos, mas a crise na Ucrânia traz de volta para o país um capital que havia saído em busca de retornos maiores em economias emergentes.
“O AUMENTO DA AVERSÃO AO RISCO RECENTE FEZ OS INVESTIDORES VOLTAREM A BUSCAR A PROTEÇÃO DA RENDA FIXA AMERICANA, TRAZENDO OS JUROS DOS TÍTULOS DE 10 ANOS PARA BAIXO. ISSO INDICA QUE O MERCADO ESTÁ MENOS OTIMISTA COM A RECUPERAÇÃO ECONÔMICA ATUAL, E ESPERANDO QUE A ALTA DE JUROS QUE DEVERÁ SE INICIAR EM MARÇO NOS EUA NÃO DURE POR MUITO TEMPO”, DIZ RELATÓRIO DA XP INVESTIMENTOS.
Mais juros
Em países emergentes, a fuga de moeda forte por causar inflação mais alta, o que pode desembocar em mais juros — ou em juros altos por mais tempo.
No relatório Focus, os analistas estimam que a taxa básica de juros (Selic) deve encerrar o ano em 12,25%. Mas essa projeção pode ser revistada se, de fato, o cenário de inflação piorar.
Juros mais altos custam caro para a economia. Eles encarecem o investimento das empresas, e inibem o consumo das famílias.
O resultado dessa combinação é uma economia que tende a crescer menos. Hoje, as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) já são decepcionantes. Não passam de 0,5%.
Em entrevista recente ao g1, o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), comentou que o aumento da produção industrial que afeta os bens duráveis – como eletrodomésticos e veículos – será o efeito mais longo na inflação brasileira, já que o petróleo é usado em várias estruturas produtivas.
“MESMO QUE A GENTE CONTINUE SUBINDO O JURO PARA CONTER ISSO, NATURALMENTE O AUMENTO DE PREÇOS, DADA A ESCASSEZ DO PRODUTO, PODE FAZER COM A INFLAÇÃO FIQUE ATÉ MAIS PERSISTENTE”, AVALIA.
Fonte: G1