Agradar sentimentos e prazeres preparando uma boa refeição? Despertar a vontade de sair da cama, aproximar corações? Cozinhar, ouvir uma boa música e tomar vinho despertam um jogo bom de sedução e não existe coisa melhor. Comer, beber, morder sentindo o cheiro estimula naturalmente as sensações que afloram o prazer da conquista. E não existe coisa melhor na vida que preparar uma sugestiva refeição capaz de despertar os sentidos, desfrutar do amor temperado na magia que exala dos alimentos.
Já destilei mais matérias sobre vinhos do que qualquer outro assunto. Isto porque é impossível transformar – em palavras – quaisquer qualidades ou defeitos engarrafados junto ao vinho, e, ainda, ao abarcar as sensações que ele provoca quando acompanhado da paixão por um prato. É impossível descrever, por exemplo, a magia de um cheiro ou o sabor individual de um gosto. Não é fácil descrever – individualmente – o sabor que cada pessoa sente por serem amplas e variadas suas categorias tais como o ‘doce’, o ‘amargo’ ou mesmo o sabor ‘ácido’. Não existem palavras capazes de denotar as impressões do paladar, mas, através do conhecimento e da educação sensorial, pode-se obter do vinho seus prazeres mais infinitos.
Aprendi com a vida que a sabedoria não acompanha automaticamente e com a idade. Sobre o tempo, nada mais o acompanha senão o acúmulo de rugas, assim como as uvas, o ser humano matura para tornar-se um bom vinho. É também verdade que alguns vinhos ‘e humanos’ melhoram com o tempo, mas tem um detalhe: apenas se as safras das uvas e gentes forem boas e as normas aliadas ao primor forem capazes de torná-los respeitados, necessitados e queridos.
Não é primordial nem preciso preocupar-se em identificar aromas, aliás, esta tarefa é bastante aborrecida. Há sim que se preocupar com a personalidade do vinho… ‘assim como as das pessoas’. Desenvolver uma garrafa é ato talvez comparável a abrir um livro, nunca se sabe o que se vai ler, encontrar ou deliciar.
A comida e o vinho, assim como o presente da vida, têm tudo a ver com os sentidos e a partilha. Alimentos e bebidas fazem-nos aguçados, espirituosos por que não dizer mais vivos. Eles são capazes de estimular os pensamentos, melhorar a comunhão com a família, os amigos, além, é claro da relação com a pessoa que se ama, e, certamente, quando chega à cozinha, lugar que esbanja uma intelectualidade de maneira silenciosa e humilde, atiça a magia da gastronomia a partir da sua capacidade de enriquecer ambientes, eventos e relações pessoais.
Ninguém pode afirmar se a vida é demasiadamente curta ou, nas muitas de suas ciladas, longa demais para nós, se ela faz mesmo algum sentido quando não nos torna capazes de tocar o coração, a alma, assim como o vinho, a essência das pessoas. O simples ato em deixar fluir um ‘muito obrigado’, ou ser capaz de dar colo a quem busca o conforto, talvez o abraço apertado, uma palavra que renove, ou mesmo o silêncio em forma de respeito, um sorriso largo, tudo se torna amor quando conseguimos promover, tocar, enriquecer pela humildade a vida de alguém. Somente a capacidade de doar dá sentido à vida. Portanto, façamos com que a vivência seja intensa e verdadeira, pura e, que dure o quanto de bom durar.
Se nesse momento os seres humanos dividem a possibilidade do aqui e o prazer do agora, felizes ao lado dos amigos e acompanhados da família, compartilhando dos prazeres à mesa, que se estendem à magia das mãos que amparam uma taça de vinho, celebram e deliciam, aí está então um bom momento a ser guardar no coração. O néctar de Baco provoca, faz nascer o calor, acende a paixão, desperta o amor, compartilha e reúne, traz à vida, a sabedoria e o desejo, alegra a mesa, acorda o homem e solta a mulher para hora do amor numa eternidade de emoções.
A vida precisa ser comemorada e o feitiço do vinho desperta o amor que anseia o desejo do quarto, do grito de prazer em fazer do eu o seu e de sua, a minha, mesmo que rasgue roupas. É preciso audácia para beber de uma boca na outra, e, de uma taça do vinho, na outra, sufocar leve e docemente a embriaguez no abraço, descobrir literalmente, e, ter a coragem de perder-se em outros caminhos.
Quando me perguntam se gosto mais de vinho do que viver e de sentir a poesia, respondo que sim e não, pendendo para o lado do verso, explico que a poesia me instiga a gostar de gente, dos sorrisos, apreciar a liberdade dos animais, da elegância do vinho, reconhecer o prazer do alimento, almejar os lugares sem fim, buscar a amizade que mostra as mãos, amar e precisar do amor dividido na taça do amor. A poesia me faz viva. Talvez por isso sou poeta com relação à vida e aos prazeres da boa mesa.