No exato momento em que você esteja lendo este texto, algum cidadão no mundo está dando entrada no processo de perda de memória ocasionado pelo Alzheimer.
Sabe aquele ditado que nos convida a calçar os sapatos do outro para então compreender a história daquela pessoa? Quero convidar você a colocar, por alguns instantes, o “sapato do Alzheimer”.
Eu me lembro quando fui para a cama, e só ouvia a fala da minha irmã na minha cabeça, me contando sobre o diagnóstico da nossa mãe, que estava com Alzheimer.
Meu corpo pesou com muita dificuldade e a partir deste dia foram várias noites em claro. Já sabia que seria um caminho difícil com minha mãe! Senti a minha espinha gelar eu queria gritar, mas minha voz parecia assustada demais para sair.
Decidi observar tudo devagar. Qualquer movimento nesta trajetória de ter um familiar com Alzheimer, é muito esforço e dói muito. A voz da minha mãe que conversa comigo hoje, é diferente.Mas isso não evita que me assuste e tenha medo. As vezes acho que minha vida é um filme de ficção e vou ter minha mãe de volta.
Me sinto tão confusa que não consigo articular nenhuma frase às vezes com ela.
-Minha filha? Érica?
-Não mãe, sou eu a Edna.
– Ela não vem me visitar. Minhas filhas me abandonaram.
Em prantos digo que estou ao seu lado. Junto todas as minhas forças e tento me comunicar com ela. Até minha voz soa estranha e nervosa quando solto os primeiros sons, mas tomei coragem e contínuei:
“Estou aqui! Não te abandonamos, estamos ao seu lado.Te amamos”
“Como assim, mãe? Você acordou e eu te perguntei se você já quer seu café da manhã, só isso. Nada demais. Não se preocupe. Está tudo bem.Estamos aqui”
Ela me olha e apesar do meu medo, meu coração se aquece ao vê-la pedindo colo. Não sei mais quem ela é, só sei que a amo muito.
Ela me pergunta, Meu Deus! O que está acontecendo comigo? Tudo está ruim no meu corpo. Estou angustiada, ansiosa, minha cabeça doi…
Aí vem um turbilhão dos sentimentos que despertam dentro de mim, sei que o que sinto é muito amor por essa mulher que não é minha mãe biológica, mas que me deu o melhor dela me criando, me dando berço. Tenho tanta gratidão por ela, que me queima a alma. É uma espécie de presente de Deus e que agora tenho que cuidar com carinho.
-Minha mãe:
-Pelo amor de Deus, me explique o que está acontecendo comigo..
Como explicar algo que é inexplicável?
Minha mãe era uma mulher linda, adorava cantar, moda, charmosa, super vaidosa. Tinha tanta filosofia de vida, que eu adorava deitar em seu colo e falar do viver…que saudade do seu sorriso, do seu abraço cheio de beijos e cuidado.
As lágrimas, que tinham feito uma pausa, voltam a descer, mas um pouco mais contidas. Hoje, é uma senhora sem rosto. Fala coisas sem nexo. É sala de estar, sem estar. Ouvindo o chiado da TV e sem saber o que está passando. Nem tem mais foco para compartilhar com a família momentos de uma série, ou novela. De pé, sentada ou deitada. Pouco importa esse estado, ela se move pela casa o dia inteiro sem descanso. O fardo é pesado para ela e quem está ao seu lado. Fala o dia inteiro coisas desconexas, e agressiva as vezes. Um momento que temos ter paciência, Mas não é fácil…
Às vezes quando estou em casa sozinha procuro não me lembrar do que ela se tornou, apenas tentar buscar uma lembrança boa. Uma que me faça sorrir.
Sim, para me fazer sentir que ela existiu na sua exuberância de vida.
Tantas alterações comportamentais, repetidas rotineiramente, podem afligir e cansar quem cuida das pessoas com Alzheimer. É o chamado estresse dos familiares. Escrevendo este texto, estou emocionalmente abalada, sem ânimo para nada. Minha irmã na mesma condição. Estamos exaustas!
Alzheimer… uma brisa que chega de leve, sutil e branda, como quem não quer incomodar e aos poucos vai invadindo os espaços, soprando cada vez mais forte até se tornar um tornado que de maneira devastadora arrasta e destrói tudo.
Mãe, esta doença revirou sua memória e tirou da cena sua História. Você é a pessoa mais forte e mais alegre que já vi.. Não perca a lembrança de mim lá no seu íntimo de tudo, tão breve assim. Sua contribuição é inesquecível aos que te conhecem. Não te foi Justa esta doença agora..Esse vilão foi mais forte que você mãe. Eu tinha tanto pra dizer, mas você nunca mais vai se lembrar.
Saudades de você mãe!! Nos faltou um tempo a mais para a gente conversar. minha dor de saudades se reflete então na retina do seu olhar que não está mais aqui. Só um corpo que vaga sem parar na sua casa como que procurasse um descanso e leveza em sua mente.
A demência é muitas vezes considerada como uma condição embaraçosa que deve ser silenciosa e não falado sobre. Mas sinto-me apaixonadamente que mais e mais precisa ser feito para aumentar a conscientização, e é por isso que vou ser a voz desta doença, Alzheimer.
Gostaria de agradecer duas profissionais incríveis e que têm alma. Sim, o paciente com Alzheimer precisa de médicos com coração. Dra Denise Espíndola – Psiquiatra e Dra Mariana Abdalla -Pós graduação em geriatria. Elas defendem que um tratamento adequado pode ser definitivo para proporcionar um fim de vida digno a essas pessoas. Com muito respeito, com muito jeito, dá para usar a melhor estratégia para o paciente não se sentir diminuído, elas lutam para que o paciente tenha qualidade de vida.
Mãe, você com Alzheimer perdeu a memória, mas não perdeu sua história nem sua importância em minha vida.