Os reflexos da modernidade nas relações humanas.
Como bem diz a frase do referido livro de Bauman, “Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”. Infelizmente. As pessoas mudam de ideia rapidamente, são voláteis; valores sofrem inversões, o que é justo e correto passa a ser careta e ultrapassado; a justiça, que deveria ser sinônimo de imparcialidade, muda de lado conforme os réus; as pessoas são cada vez mais influenciadas pela mídia, adeptas ao consumismo e dependentes dessa incessante necessidade de estarem atualizadas em todos aspectos. Realmente, vivemos tempos estranhos, em que o ter vale mais do que o ser.
Por vezes, quando nos voltamos para nosso histórico de “amores”, pode acontecer de nos perguntarmos: era amor? Como saber, depois que aquele sentimento se transformou em amizade, em lembrança carinhosa, ou em um profundo desprezo?
Ao imaginarmos o amor enquanto infinito, vale lembrar os versos do poeta Paulo Leminski, quando nos diz o seguinte: “O que eu sei/ é que [o amor] se transforma/ numa matéria-prima/ que a vida se encarrega/ de transformar em raiva./ Ou em rima.” Dito isso, talvez não seja possível conceber que o amor seja infinito, pois o amor pode se transformar, inclusive, no seu contrário.
O desencontro do amor é parte do amor e é, especificamente, a corda bamba das relações. É o momento em que o amor se estampa diante de nós enquanto invenção amparada pela possibilidade de realização dentro de uma realidade, ou enquanto invenção frágil prestes a ruir, sustentada por não mais que fantasias.
O nosso saudoso poeta Cazuza disse: “O nosso amor a gente inventa”, mas também é possível amar um amor inventado. É possível sustentá-lo com cuidado desde que ele nos faça o melhor que pode ser feito, que nos desperte o desejo de fazê-lo crescer e crescer com ele, de fazê-lo durar, desde que nos desperte o desejo de multiplicá-lo e desde que encontre no outro um desejo semelhante. O amor demanda reinvenção ao longo de toda a vida. A paixão passa, o apego passa, mas o amor não. O amor queima e liberta ao mesmo tempo, é o sentimento mais puro e intenso que um ser é capaz de sentir em toda sua existência.
Ame pelo simples fato de ser, de fazer, de gostar, de doar. Ame com os olhos, com o nariz, com os ouvidos, com a boca (ahh, a boca!)…Boca que dá bom dia. Boca que conta histórias. Boca que abraça causas. Ela que é porta de entrada de tantas sensações sublimes: aquela comida exótica que te obriga a experimentá-la apenas por ser diferente ou mesmo aquela tradicional, de todos os dias, comida de mãe, mas que nunca perde o tempero. E o que dizer da boca, em seus encontros? Sim, o beijo, o beijo do prazer. Ele que tem calor, tem tato, tem olfato, tem paladar, audição. São todas as sensações que nos desperta.
No filme Amor Eterno de Giuseppe Tornatore, 2016, a história dá conta de um amor entre um professor de astrofísica e uma ex-aluna. Eles estão separados pela geografia, pelo tempo e por uma tragédia que os separa ainda mais. Porém, correspondem-se frequentemente alimentando a proximidade na distância. A evidência desse amor que está ali, o que ele é, revela-se nesse intervalo dos corpos e das presenças. O amor se compreende na dimensão da distância como o espaço de luz que há entre uma estrela e outra, de uma galáxia e outra, simplesmente, de um espaço e outro, simplesmente de um corpo e outro.
Nos meus caminhos encontrei pessoas bem resolvidas, seguras, que se amam, se respeitam, e que possuem autoconhecimento sobre si mesmas, não se sujeitam à tentativa de suprir um vazio existencial seu se relacionando com pessoas que mal conhecem. Esse vazio, que assola ultimamente a humanidade, muitas pessoas estão sós, e se submetem a relações líquidas, passageiras, vazias de conteúdo, tristes e isso existe somente pelo fato delas não apreciarem sua própria companhia e sempre precisarem da aprovação do outro para sentirem-se bem consigo mesmas. É nesse ponto que entram as redes sociais, servindo para expor as pessoas, expor carências, expor falsas seguranças, expor ostentação, expor uma felicidade que, muitas vezes, não é sincera, no intuito de que essa exposição exacerbada tragam-nas a sensação de plenitude e paz interior, de segurança e felicidade que todos querem obter, através da aprovação e elogio alheios.
Penso que todas pessoas que passam em nossas vidas nos ensinam muito, deixam muito de si e levam um pouco de nós ao partirem, porque relacionamento é troca, é intercâmbio de vivências e experiências. A felicidade é encontrar uma pessoa que nos acrescente, não que nos preencha, porque ninguém nasceu pela metade ou incompleto, mas que nos transborde à medida de que a sua presença e companhia nos faça seres melhores a cada dia. Eu prefiro aderir à letra de uma música de O Teatro Mágico que diz: “os opostos se distraem, e os dispostos se atraem”.