Neste exato momento chove copiosamente. Folhas ao vento o qual faz um barulhão e nos desafia a sair. O chocolate quente ajuda. O aquecedor também. E os livros. E uma lapiseira fininha. Além de uma nostalgia que me invade e acalenta.
Na minha cidade natal, Goiânia, só faz frio durante três a quatro dias no ano. Entre maio e junho, perto de uma grande festa local chamada Pecuária. Frio em Goiás é algo abaixo de 20 graus… mas já tivemos até 1,2C e recentemente em maio de 2022 abaixo de 10C.
Meu pijaminha de flanela, igual ao do meu irmão. Sempre fui magro, pés e mãos gelados. Sentados na sala de estar. Desenhando e colorindo e lá fora uma neblina que deixava apenas ver o vulto do nosso cão, a Rita, um vira-latas branco de porte médio e de orelhas permanentemente de pé. Imploramos para nossa mãe para pô-la para dentro e podermos aquecê-la e nos aquecer abraçados a ela.
Quando ela entrou passava o seriado Perdidos no Espaço, o Dr Smith estava particularmente engraçado neste dia. Ríamos muito e sempre torcíamos para o nosso jovem herói, Will Robinson. Bolacha Maria e de água e sal. Nossos seriados prediletos além desse: Viagem ao Fundo do Mar, Túnel do Tempo e Terra de Gigantes. Tudo no horário do lanche, quando já tínhamos terminado as tarefas e depois íamos brincar.
O frio era grande mesmo. Não me esqueço do Vick Vaporub passado no peito. Cuidados delicados de uma mãe que trabalhava fora e se desdobrava em mil para cuidar de nós. Já adorava ler. Muito gibi. Muitas revistas. Alguns livros. Monteiro Lobato. E veio então um presente do meu tio-avô do Maranhão, Luiz Rêgo; uma biografia de Alexandre o Grande. Meu primeiro livro lido com entusiasmo e grande atenção.
O sol negava-se a surgir no céu tão laranja, tão goiano. Jogamos um pouco de futebol de botão. Um futebolzinho com bola de meia no corredor. Portas fechadas para não quebrar nada. Mário Jorge era o craque do Botafogo, o Jairzinho; e eu era o Doval do Flamengo. Grandes disputas de falta e pênalti.
Sem sair para a rua, essa tarde passou marcante por uma série de detalhes e obviamente fora uma como outra qualquer. O Externato São José, nossos amigos que até hoje convivemos e louvamos. Permanecem perenes na lembrança. Assim como a TV em preto-e-branco e os poucos canais disponíveis. E como brincávamos !!!
Acho que até granizo caiu. E agora quando minha vida se torna um misto de recordações e novas descobertas, saio a janela. São quatro dias consecutivos de temperatura máxima de 10 graus. Tiro a camisa, respiro fundo, fecho os olhos. Deixo a Natureza vir bem perto a mim.
Não tenho mais minha mãe, meu irmão está longe, os amigos também. Mas é impossível a vida tirar minhas memórias que me alimentam e fazem o que sou. O oxigênio que inspiro é novo e fresco, mas o que expiro é um longo processo. Do ar que carrego no peito, do que já vivi e desejo, e do ar que respiro e me inspiro.
JB Alencastro
Colaborador D9