Com o amor dá-se o mesmo que com o vinho. Perdoem-me os leitores a pouca elegância da confrontação; mas bem vêem que ambos se embriagam. Nunca beba vinhos para esquecer, mas sim para se transportar para outras dimensões de prazer! Estar curtindo um Pôr do Sol no fim da tarde degustando um bom rótulo é simplesmente divino, mas já lhes digo que este sublime colóquio poderá terminar usando sua boca como cálice!
Resolvi escrever a coluna Prazeres à Mesa relatando um pouco sobre o livro que acabei de ler e gosto de compartilhar com os meus leitores. O vinho é uma bebida velha, antiga e neolítica. Ele foi consumido ao longo de toda a história de que temos registro. No entanto, o vinho como conhecemos hoje é relativamente novo. O local onde se originou, o seu gosto, o que representava e o modo como se transformou ao longo do tempo são temas explorados no fascinante novo livro de Paul Lukacs, “Inventing Wine: A New History of One of the World’s Most Ancient Pleasures” (“Inventando o Vinho: Uma Nova História de um dos Prazeres Mais Antigos do Mundo”, em tradução livre).
Uma coisa fica clara na obra de Lukacs: a maior parte dos vinhos – ao longo de grande parte da história – foi repugnante e desagradável. Se um crítico do passado tivesse nos legado uma resenha acerca da degustação do tipo de vinho que a maioria das pessoas bebia, possivelmente diria “imprestável, horrível, avinagrado, imundo”. No entanto, as pessoas o bebiam mesmo assim, porque não tinham escolha. Outras bebidas, como água e leite, estavam repletas de doenças. O gosto do vinho podia ser terrível, mas tinha um desinfetante embutido: o álcool.
Foi apenas a partir da Renascença, escreve Lukacs (que, quando não está pesquisando vinho, é professor de Inglês na Universidade Loyola de Maryland, em Baltimore), que surgiram noções familiares para discernir características da bebida. Só então os enófilos – um grupo diminuto, para ser claro – começaram a associar estilos particulares e qualidades no vinho a lugares específicos: uma ideia incipiente de terroir. Além disso, foi apenas nessa época que os enófilos bem informados começaram a perceber que alguns vinhos podiam ser apreciados intelectual e emocionalmente, e não apenas fisicamente, e que os melhores vinhos transmitiam uma sensação de equilíbrio, duração e profundidade.
Contudo, foi realmente com o Iluminismo, no século 18, quando uma série de revoluções começou a transformar a nossa compreensão do cultivo da uva, da produção de vinho e do armazenamento do vinho, que a bebida começou a se assemelhar ao que associamos a ela hoje. “Somos todos filhos do Iluminismo, não de Platão e Aristóteles, mas de Locke e Rousseau”, disse Lukacs recentemente. “Foi quando o vinho moderno surgiu.”
Outras mudanças também ocorreram. À medida que o abastecimento de água foi se tornando mais seguro, as pessoas passaram a não precisar consumir necessariamente vinho. Ele se tornou uma escolha. Era possível apreciá-lo em vez de bebê-lo, de modo que o vinho tinha de se tornar mais atraente.
No entanto, no início do século 20, o vasto conjunto de vinhos existentes podia ser dividido em dois grupos: uma pequena quantidade de vinhos finos, ou “vin fin”, apreciada pelos paladares exigentes; e a maioria dos outros vinhos, “vin ordinaire”, baratos e abundantes, mas não muito bons e frequentemente muito ruins. “A diferença entre os melhores vinhos e os outros era fenomenal”, disse ele.
O vinho gozou de uma breve era dourada no século 19, com a rápida ascensão de uma classe média com recursos econômicos e aspirações culturais. No entanto, enfrentou um período difícil no final do século 19, quando os vinhedos europeus foram atacados por pragas, contratempo seguido por guerras mundiais, depressão econômica, a moda das aguardentes e dos coquetéis e a Lei Seca. Ainda assim, o vinho veio a ressurgir.
De modo talvez um pouco presunçoso, eu – enquanto degustava uma garrafa de vinho Chileno, um tinto deliciosamente fresco da vinícola Conha Y Toro – comecei a pensar que tenho sorte por viver nos dias de hoje, talvez a melhor época da história para ser estudiosa em vinhos. Sentada em um restaurante de São Paulo, tenho acesso a uma diversidade de vinhos maior que a experimentada em qualquer outro momento da história, tendo acesso a rótulos de bem mais locais e estilos.
Eu sempre tive interesse pelo vinho. Meu pai, cigano, bebia vinho regularmente. Eu me interessei pelo vinho ao cursar Gastronomia na Universidade Cambury, quando me juntei a um grupo de estudos que rapidamente se revelou um grupo de enófilos. O que me interessa no vinho é o fato de ele ser muito, muito rico intelectualmente. A pessoa não precisa conhecer o vinho, mas acaba querendo saber mais sobre ele. Este livro me fascinou e para quem gosta de vinhos como eu, vale a leitura!
E para terminar, o amor é como um bom vinho, à medida que envelhece só fica melhor. Meus leitores, existem muitas maravilhas que você vai encontrar em cada taça a cada medida que o tempo passa. O paladar, a sensação do amor é como provar um cálice do melhor vinho, da melhor safra envelhecida, da melhor produção de um dedicado enólogo, no banquete do cortejar do prazer.