Por JB Alencastro
O bebê está irritado. Não sabemos se são os dentinhos que nascem, se está com cólicas. Ou mesmo uma manha qualquer. Pelas manhãs eles ficam assim, inquietos. A bacia está pronta, a água quentinha. Neném é cheio de dobrinhas. Carece cuidado e atenção ao lavar. Mas suas risadas são tão belas e contagiantes. O bebê não tem nenhum conhecimento, não compara valores, não torce para um time de futebol, mesmo que o tenham uniformizado. Ele apenas ouve a voz da mãe, sente o cheiro e o gosto do leite e aprecia o tato que o esquenta e limpa e vê o que está pertinho. Filosoficamente o bebê é um esteta. Suas apreciações são de natureza sensorial.
O menino vem da lama, estava jogando futebol. Seu rastro pela casa é sintomático. Traz consigo sua irmã, que encontrou no meio da chuva e aproveitaram para esculpir no barro vários bichinhos e panelas, bolas e castelos. Nenhum deles reclama das admoestações da mãe. Morrem de rir. O cabelo está difícil de desembaraçar. A criança começa a associar as coisas. Se ouve música, dança. Se tem lápis e papel, desenha ou escreve. Se tem barro, esculpe. Não é conceitual o que é bonito e o que é feio. Tudo depende do referencial. Seja ele social, político, econômico ou histórico. Estética é o estudo do belo?
Cansados da competição, a turma inteira na algazarra do vestiário se concentras nas observações de seus desempenhos individuais e coletivos. A água relaxa seus corpos jovens e fortes. Alguns elogiam suas colegas e o desenho corporal. No vestiário contíguo, elas fazem o mesmo a respeito de seus pares. Há uma real dicotomia entre o desempenho e a simetria e beleza dos músculos, nem sempre o campeão é o mais belo. A beleza está na Natureza e também nas manifestações artísticas. Um corpo bonito é arte?
O trabalho hoje fora desigual. Não teve tempo para nada. Nem se alimentar. Quando chega em casa mal sabe se descansa ou se alimenta. Entre essas duas opções o banho é a escolha. Água descendo lentamente, ombros de Atlas. Todo mundo que carrega nas costas sai pelo ralo. Sente renovação. Cada centímetro do seu corpo agradece. E é somente água, nada mais. Desta feita há uma fusão entre a harmonia, a proporção e a união. Sentia-se absoluto e eterno. Antes do artístico e do ser humano. Acredita que Sócrates, Platão e Aristóteles tomavam banho. E o sabonete, a estética?
Os dois estão juntos. Um lava as costas do outro. Existe uma determinada região do dorso que simplesmente não alcançamos. Bucha. Coisa bem antiga, mas totalmente funcional e útil. Esfrega, esfrega, esfrega. Aquele prazer inenarrável proporcionado ao outro é algo “kantiano”. Ali não tem um fim em si mesmo. Somente é bom. E espontâneo.
Agora, já com muita idade, outras pessoas são necessárias para banhar-se. Uma palavra de carinho, uma história contada, uma música. Todo que adorna o ato de lavar uma pessoa está ali contido. Contém obviamente uma expressão artística. Acredito que jamais o ato de tomar banho será substituído por outrem. É o alívio. É o quase sublime. É a libertação. E quem bem viveu sabe o que significa afogar as mágoas e lavar a alma. Naquele banho.