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JB Alencastro, o menino que mora em mim.

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O menino que mora em mim

Quando vejo fotos antigas um turbilhão de lembranças me acomete. Elas revivem décadas, agora; mais de meio século. E ao que parece tudo está vivo e bem guardado aqui dentro. Meus amigos do Externato São José que até hoje convivo. Nosso time de futebol. Eu, ponta esquerda, corria muito. Ou cruza, ou corta “pra” dentro. Hoje, essa posição nem mais existe. Mas o menino lembra.

Alberto, drible seco. Cláudio, goleiro seguro. Paulão, muita força. Marquinhos, leve e solto. Léo, artilheiro. Chico, classudo. Haroldo, o craque. Guido, marcador cruel. Ali, misto de loucura e lucidez. André, muito esforço. Waltinho, um gozador. Sei o destino de cada um deles, e se eu mesmo quiser saber quem sou, basta perguntar a eles. São o resgate vivo da minha infância. Os meninos lembram.

Meus vizinhos eram legais demais. Murilinho e Fabinho. Casa enorme, com o 1972 no portal. Brincávamos diuturnamente. Bete. Acertar na latinha. As primeiras bicicletas, Monareta Águia de Ouro, depois veio a Caloi 10, em que eu mal cabia no quadro. Rua K era pequena demais. O Setor Oeste nem tanto. Veio o asfalto. A terra vermelha ainda está nas minhas unhas e nas diminutas orelhas que minha mãe insistia em lavar. O Tonho, mais velho. E o Sérgio, vizinho do lado direito, cheio de irmãs e gibis na casa dele. Do outro lado da rua o Geraldão que devia ter uns 2 metros de altura e ainda andava de perna de pau. Na rua de trás, o Wallace e seus irmãos taxidermistas. Cada um deles colado no tempo que não passou. A moçada lembra.

Pique pega eu adorava. Pique de esconder, também. Mestre em me enfiar em construções, terrenos baldios cheios de tizius e capim-navalha. Escondia tão bem que as vezes me perdia. Finca eu era exímio. Bom de subterrânea e de jogar “no estilo”. Meu jovem leitor pode estar desistindo agora, mas prossiga. Talvez consiga encontrar nesse mundão virtual atual, a realidade que me cercava. Soltar raia era delícia, mas cerol eu não gostava. Só de linha de anzol. Jogar peão eu era péssimo, nunca aprendi direito. Minha mãe também não deixava, dizia que podia furar o olho. Meus pais trabalhavam o dia inteiro. Mas almoçavam em casa. Eu via sempre o fusquinha verde e depois o TL azul calcinha virando a esquina de tarde e corria para tomar banho. Depois o icônico Opalão branco de quatro portas. Onde quer que estejam, papai e mamãe, vocês lembram.

Chácaras e fazendas em profusão. A chácara do Waltinho, nós andando a cavalo. Galope louco. Caminhando em brasa na festa junina. A fazenda do tio Jorge Jungmann, os cavalos Corisco e Pedrês. Caçando de espera no alto da árvore. Derrubando patos para os perdigueiros pegarem. Mal sabia de ecologia ou algo parecido. Muito estilingue, muito calango, muito passarinho. Pardalzinho. Hoje fico constrangido. Acontece. Tirar leite da vaca bem cedinho, aquela espuma. Às vezes – que luxo! – uma pequena dose de conhaque no leite. Trepar em qualquer árvore e cair e quebrar o braço. Meus ortopedistas lembram.

As férias no Maranhão. Terra mais do que abençoada. O bafo úmido ao descer do avião nos mostrava que ali tudo era caloroso. Minhas três amadas primas: Ângela Maria, Ana Beatriz e Amélia Virgínia, cada uma mais linda do que a outra. E muito legais. Mais velhas do que nós: Mário Jorge, meu irmão e eu. Minhas tias carinhosas, afetivas. Tia Helena, Tia Teca, Tia Cacá. E as comidas de São Luís? Todas com molho, saborosas, fartas, diferente da secura de Goiás. Adorava peixe e camarão. Cuspir o cristalino da pescada amarela. Comer inteiro o peixe pedra. Não perdoar, casca, cabeça e rabo do camarão. Na cabeça tem fósforo. Bacuri, cupuaçu e juçara são as frutas mais suculentas que conheço. Época em que ninguém sabia o que era açaí, quanto mais juçara de manhã com farinha d’água. Comia sem perdão. Todos os cheiros e gostos estão presentes e fortes. O garoto lembra.

Dos estudos só alegrias. Da Irmã Colomba, minha orientadora espiritual, uma saudade profunda. As colegas de colégio também são inesquecíveis. Tenho a cópia da lista de chamada da oitava série A e B. Visualmente todas impressas nas minhas retinas. Gosto suave da juventude. Algumas eu tratei, outras fiz o parto dos netos, a maioria sempre ouvi e raras nunca mais vi ou soube notícias. Meu coração as guarda no veludo mais aconchegante que consigo. Elas sabem, elas lembram.

Saudosista que estou e que sou, confesso que o menino prossegue. Correndo, brincando, passeando, comendo, bebendo com os amigos e a família. É a melhor parte que tenho. Não pela inocência, alegria ou memórias que carrego. Mas pela coerência. Pois tudo que aprendi quando criança, os valores morais e imutáveis dos meus pais, parentes e amigos, ainda estão comigo. E eu jamais irei esquecer. Obrigado a todos.

JB Alencastro

Medico e escritor

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Viver…

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Não quero ser melhor que os outros, apenas quero ser sempre melhor do que eu mesmo. Assim estarei me superando. Você tem o direito de falar o que pensa, Mas não tem o direito de julgar quem não conhece Liberdade de expressão é um direito de todos, mas não lhe dá o direito de inventar histórias sobre o outro. Eu posso ser bem melhor do que sou, preciso ser. Posso dar bem mais, ser bem mais.  É sempre nossa exigência. Esquecemos que somos humanos com erros e acertos. ERRAMOS!!!

O amor verdadeiro deveria ter perdão para todas as vidas, menos para as vidas sem amor e sem educação. Gratidão deve vir antes de tudo e o agradecimento acompanhado do abraço apertado de acolhimento. Temos sim, o direito de sentir as tristezas, lamúrias, mas não nos dá o direito de carregar as sombras. Precisamos da luz, vitamina D e humor. Isso nos trás a paz nos céus azuis, e somos nós que devemos sentir o palco da vida com holofote.

Faço o meu caminho, pisando no chão que me é exposto. E não me venham com histórias penosas, telefone sem fio da vida do outro, de fracassos, e energia ruim, detesto-as. Tenho tentado seguir em frente e procurar outras paisagens. As vezes, me exausto da vida. Me dou este direto de vez em quando. Mas não posso me dar o luxo de parar o ponteiro do relógio. 

Se quiser me acompanhar, tem assento vago, só lembrando que a viagem não sai de nenhuma estação, e nenhuma zona de guerra, nem da zona de conforto porque não é interessante passar a vida desconfortável. Com sonhos que morrem. Viaje comigo sem controle remoto, seja suave no caminho e o foda-se engatilhado.

Jornalista Edna Gomes

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Pianista Virgínia Hogan 

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O maestro gesticula Mozart enquanto a pianista, com toda sua delicadeza, se debruça sobre o piano para arrancar suas notas. Em um jantar no Rio de Janeiro, conheci a musicista Virginia Hogan. Uma mulher delicada, bonita, cheia de charme com um sorriso único, dedilhava seu carisma para sua platéia. Todos conectados, o universo estava naquele palco ao som de seu piano, eu fechei meus olhos e pude ouvir a poesia do mundo. E foi ali que eu nasci de novo. Um piano, a pianista é tudo tão mágico. Assim como ela, eu também escorregava as mãos sobre a vida. Tentava com persistência e coragem encontrar o ponto de começo ou, ao menos, a ponta do fio que desenrolava todo o resto. A mim me encantava que a primeira nota do soneto fosse a primeira consoante do que a força que seu dom musical me causava, eu queria escutar cada estrofe, o ritmo de suas mãos do teclado do piano. Ela toca mil sinfonias de poemas que não fizeram do tempo um inimigo que  apagasse dos seus sonhos. E era assim, na agilidade como pianista, que ela bombardeia o coração de todos. A platéia escutava no silêncio do céu. Usava a poesia de seu piano como um caminho para as estrelas, até o afeto da sensibilidade cheio de sinfonia. Contava os versos, os equívocos, a camada fina de tecido que separa o toque dos nossos corações. Cada nota tocada de Virgínia Hogan, eu não consigo pensar em mais nada, somente nos toques suaves de uma excelente pianista. Luzes se acendem, e todo o cenário aparece, e a Virgínia aparece, tocando a melodia de amor e de suas tragédias que permite a movimentação dos seus dedos nos acordes eruditos de seu piano e sua expressão da vida. E o que pode uma mulher quando um deus em seu fascínio a invade, pela alma, com “Beethoven” em seu piano? Virginia nos leva a reflexão.

No show, a pianista estará acompanhada por Boaz Sharon, os maestros Lee Mills e Anderson Alves e receberá a soprano Maria Gerk. Dia 22 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro às 19:hs

Jornalista Edna Gomes

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O Mundo tem sentido?

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A primeira vez que ouvi falar no fim do mundo, o mundo para mim não tinha nenhum sentido, ainda; de modo que não me interessava nem o seu começo nem o seu fim. Lembro-me, porém, de estar em um evento e ouvir um grupo de pessoas conversarem sobre alguns assuntos – ⁠⁠a desinformação não se trata da falta de informação apenas mas também da absorção de informações equivocadas. Elas estavam em suas bolhas, porque ou não liam, ou se iludiam a algo que andava pelo universo, responsável pelo acontecimento que eles tanto temiam. Nada daquela conversa se entendia comigo: o mundo era deles, era para eles: o “eu”.

Mas, uma noite, levantei-me da cama, enrolada num lençol, fui à janela para me apresentar à força do universo. Aquela conversa que até então não me interessava nada, que nem vencia a preguiça dos meus olhos pareceu-me, de repente, maravilhoso. Era uma coruja branca, pousada no coqueiro. Era um presságio, que voava pela noite, sozinha, ao meu encontro? Ouvir os presságios daquelas pessoas  – sempre tem um cometa no céu, como há lua, sol, estrelas. Por que as pessoas andam tão estranhas? A mim não me causa medo nenhum. Passou-se muito tempo. Aprendi muitas coisas, entre as quais o suposto sentido do mundo. Não duvido de que o mundo tenha sentido. 

O mundo vai acabar, e certamente saberemos qual era o seu verdadeiro sentido. Por que fomos tão sinceros ou tão hipócritas, tão falsos e tão leais. Por que pensamos tanto em nós mesmos ou só nos outros.  Talvez uma das melhores sensações da vida, não somos impulsionados pela realidade, mas sim por nossa percepção da realidade

Ter a minha própria opinião, meus próprios gostos, não indo na maré da “grande maioria”  ou dos babões de plantão, é reconfortante. Não vou apenas por que você quer que eu vá. Não falo apenas o que você quer ouvir. E assim, vamos construindo o mundo, entendendo e respeitando as pessoas como únicas, cada qual com as suas verdades. 

Edna Gomes

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