Hoje, dia das crianças, peguei Nina e Max e resolvi dar uma volta pelo Bueno logo pela manhã. Eram mais ou menos umas seis horas, o sol já estava começando a clarear o céu.
Estava voltando do parque Vaca Brava quando vi um casal juntando papelão nos fundos de um supermercado. Ele, com aproximadamente uns 32 anos, magro, com uma barba rala a se fazer, rosto de gente machucado pelas dificuldades da vida, sabe? A sua companheira já era bem alta, robusta, com cabelo de rabo de cavalo bem feito e com corpo brilhante de suor. Mas o rosto de gente bacana.
Eu reparei que do outro lado da rua, duas crianças juntavam, no cantinho do calçamento, umas tampinhas plásticas, fazendo montinhos, cada qual mais alto que outro.
Uma menina e um menino. Nem olhavam para os pais, conversavam entre eles como que estivessem jogando algum jogo apaixonante, inventado por eles, o que ainda era mais especial.
Eu passei na rua entre os donos dos papelões e as crianças, concentradas nas suas torres. Olhei com mais atenção para eles. Talvez a calma no jeito que eles pegavam, separavam, dobravam os papelões e colocavam para dentro de uma carroceria mal feita de duas rodas, ou o envolvimento daquelas crianças no seu “lego” inventado.
Continuei a caminhada, mas resolvi (sem nem perceber que já estava fazendo a volta) voltar pelo mesmo caminho. Queria ver aquela família novamente.
Lá estavam eles. O pai ainda dobrando umas caixas maiores, restantes, mas a mãe mais afastada, organizando a carroça, que provavelmente levaria aquele saco gigante preenchido com papel e coragem, além da família.
– Bom dia! – falei, chegando perto das crianças.
– Ai, que fofinhos! Eles mordem? – perguntou a menina, já alisando os pelos da Nina e do Max.
– Não, pode alisar, eles são mansinhos. De que vocês estão brincando?
– É um jogo, para ver quem tem mais tampinha. Qual o nome dos cachorros? – perguntou dessa vez o menino, que tinha os olhos lindos cor de mel.
– Max, ele é macho – e Nina fêmea, respondi. – Vocês são irmãos?
– Sim, e aqueles ali são nossos pais. Mainha, venha ver que lindos Max e Nina! – gritou a menina.
A mãe veio, com um olhar doce, mas com uma certa desconfiança para saber quem era aquela mulher que estava ali, com dois cachorros, conversando com seus filhos. Conversamos um pouco Descobri que se chamava Ana. Neto era o marido e os filhos Raíssa, de 10 anos, e João, de 9. Expliquei que morava ali perto e que tinha uns livros infantis e umas caixas de papelão e no meu prédio também tinha caixas de papelão, pois estava em reforma, se ela gostaria de receber. Não consegui nem terminar direito de falar, quando Raíssa pega na cintura da mãe (com um respeito lindo de se ver) chamando a sua atenção e diz que sim, que eles queriam. Ana olhou para a menina, que agora tinha os olhos bem mais vivos de entusiasmo, e disse sim para mim.
– Neto, vou ali com essa mulher pegar uns livros infantis para os meninos. É descendo aquela rua – falou Ana, apontando para a direção do meu prédio.
Fomos, então, eu, Noah, Ana, Raíssa e João, conversando pelo caminho. Estavam os dois, ela e Neto, desempregados há dois anos. Ela faxineira, ele servente de pedreiro. Catavam papelão e vendiam para uma cooperativa. E eram gratos por esse trabalho. Conseguia pagar a feira, a luz e a água com o que recebiam, e já era ótimo, porque “tem gente passando tanta necessidade que nem isso consegue pagar, não é, mulher?!”, comentava ela comigo no percurso.
Chegamos em casa, pedi a Aninha minha funcionária, para pegar as sacolas de livros que já estavam separadas.
Fiz questão que ela entregasse a Raíssa e ao João. Aninha ainda trouxe uma bola esquecida em um canto do apartamento e uns pacotes de biscoitos da dispensa.
– patroa, nem falei com você, mas eu trouxe esses biscoitos, tá? – Aninha tinha entendido a missão daquele encontro.
Nos despedimos lá na calçada, as sacolas pesadas e as crianças empolgadas. Nessa hora, Nina e Max já sentavam aos pés de Ana, que falava comigo e os alisava.
– O mais importante mesmo é a gente agradecer. Quando a gente agradece o trabalho que tem, a família, fica tudo melhor. Obrigada moça, e que Deus lhe dê em dobro!
Eu respondi – Ana, Ele sempre me dá.
Edna Gomes